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Número de Mensagens : 208 Perfil do Usuário : Aluno de Curso Técnico da Escola Maria Rocha Data de inscrição : 15/08/2008
| Assunto: Libertinagem & Estrela da manhã - Manuel Bandeira Qui Out 09, 2008 3:58 am | |
| Libertinagem foi publicado em 1930 e contém trinta e oito poemas escritos entre 1924 e 1930; na maioria deles, podemos observar a intenção do poeta de romper com as formas tradicionais, acadêmicas e passadistas. Esta tem sido considerada a obra mais vanguardista de Manuel Bandeira, aquela em ele praticou mais livremente a própria liberdade formal, valendo-se de versos e estrofação irregulares e abandonando a rima, além de empregar largamente o coloquial, numa atitude inequivocamente antiformalista. Exemplos claros são "Poética", verdadeira profissão de fé modernista, e "Poema Tirado de Uma Notícia de Jornal":
POÉTICA
Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador Político Raquítico Sifilítico De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.
De resto não é lirismo Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres etc.
Quero antes o lirismo dos loucos O lirismo dos bêbados O lirismo difícil e pungente dos bêbados O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
POEMA TIRADO DE UMA NOTÍCIA DE JORNAL
João Gostoso era carregador da feira-livre e morava no morro da Babilônia num num barracão sem número Uma noite ele chegou no Bar Vinte de Novembro Bebeu Cantou Dançou Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
O lirismo puro, singelo também está presente no livro, no tom de confidência e nas recordações da infância, da família e de pessoas queridas, e geralmente expresso na mesma linguagem coloquial:
O IMPOSSÍVEL CARINHO
Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo Quero apenas contar-te a minha ternura Ah se em troca de tanta felicidade que me dás Eu te pudesse repor - Eu soubesse repor - No coração despedaçado As mais puras alegrias de tua infância!
MADRIGAL TÃO ENGRAÇADINHO
Teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi até hoje na minha vida, inclusive o porquinho-da-índia que me deram quando eu tinha seis anos.
IRENE NO CÉU
Irene preta Irene boa Irene sempre de bom humor.
Imagino Irene entrando no céu: - Licença, meu branco! E São Pedro, bonachão: - Entra, Irene, você não precisa pedir licença.
A presença da morte - a "iniludível" - que marcou toda a sua vida - a "que podia ter sido e que não foi" - colabora para acentuar o tom de melancolia que o eu poético tenta inutilmente disfarçar, misturando-o ao tom de pastiche:
PNEUMOTÓRAX
Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos. A vida inteira que podia ter sido que não foi. Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico: - Diga trinta e três. - Trinta e três... trinta e três... trinta e três... - Respire.
- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado. - Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? - Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
ANDORINHA
Andorinha lá fora está dizendo: - "Passei o dia à toa, à toa!"
Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste! Passei a vida à toa, à toa...
A marca da (auto)ironia mantém-se até o final do livro e coincide com o exercício metalingüístico do poeta, ao expressar o que deseja de seu último poema:
O ÚLTIMO POEMA
Assim eu quereria o meu último poema Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
Estrela da Manhã
Eu quero a estrela da manhã Onde está a estrela da manhã? Meus amigos meus inimigos Procurem a estrela da manhã
Ela desapareceu ia nua Desapareceu com quem? Procurem por toda a parte
Digam que sou um homem sem orgulho Um homem que aceita tudo Que me importa? Eu quero a estrela da manhã
Três dias e três noites Fui assassino e suicida Ladrão, pulha, falsário
Virgem mal-sexuada Atribuladora dos aflitos Girafa de duas cabeças Pecai por todos pecai com todos
Pecai com os malandros Pecai com os sargentos Pecai com os fuzileiros navais Pecai de todas as maneiras
Com os gregos e com os troianos Com o padre e com o sacristão Com o leproso de Pouso Alto
Depois comigo
Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas comerei terra [e direi coisas de uma ternura tão simples Que tu desfalecerás
Procurem por toda parte Pura ou degradada até a última baixeza Eu quero a estrela da manhã. Fonte: www.vestibular1.com.br | |
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